Dedicatória

A morte, a vida, o parto, as ilusões e os fantasmas da alma.

Tudo se desenrola em palavras que cortam como lâminas.

É o simulacro da dor

O horror de se confrontar e perceber o que vê

E a culpa é sem dúvida o pior vício

E a fuga não pode ser mais camuflada em palavras

Assim é, tirana e covarde,

E só eu de fato entrei nesse mundo insano

Construído e diluído por falsas verdades.

METAFÍSICA

A dessacralização dos corpos era só um indício de que a vida retornara

E nada mais era rito

Nada mais se atrevia aos desmandos do destino

E ao fechar meus olhos voltei a enxergar aquele velho mundo

E quando percebi já era parte do passado que eu tanto recusara

E se fazia presente o futuro que eu tanto rejeitara

Era o fim das crenças

O despertar insosso dos dias

Era só a vida me dizendo em silêncio verdades e mentiras

Que eu jamais quis saber...

ATEMPORAL

As estações cada vez mais incompletas impõem seu ritmo... 

A passagem do tempo

E me sinto uma estranha bailarina

Tentando controlar os próximos movimentos

Em meio a essa dança descompassada

Acreditando na beleza do risível

Sou só mais uma peça nesse ensaio mecanizado

Um ser enraizado em suas perdas.

TÁ RINDO DE QUÊ?

Ta rindo da ignorância do povo?

Ta rindo da falta de educação?

Ta rindo do mendigo embriagado?

Ta rindo do gay afetado?

Ta rindo da gorda ao lado?

Ta rindo do “Mané” que é honesto?

Ta rindo da empregada analfabeta?

Ta rindo do “neguinho” desarrumado?

Ta rindo do traveco na esquina?
Ta rindo da piada machista?

Ta rindo de tudo que acha graça...
De tudo que incomoda

De tudo que chama de desgraça
De tudo que ignora

Essa é nossa lama social
Esse é nosso esgoto cultural
O preconceito escancarado e velado
A hipocrisia tacanha é o nosso pão de cada dia.

ROTEIROS

Foto de Valdemar Traça (fonte site www.1000imagens.com) 

Reescrevi uma história na ilusão de me reconhecer como parte dela,

Mas logo no meio do caminho me perdi nesse roteiro previsível.

E toda vez que tento virar a página e esquecer os demais capítulos

A vida me lança outra vez 
Ao início e ao fim 
De um folhetim sem destino.

SABORES

Foto de Ana Maria Abrão (fonte site www.1000imagens.com)

A maturidade trouxe novos sabores...

Provei o gosto cítrico da rotina

Experimentei o gosto salgado da saudade 
Ainda não cicatrizada

Engoli com prazer a doce independência

Estranhei o sabor amargo da covardia

Aprendi a degustar a solidão agridoce

Senti a acidez da crua realidade

E envelheci ao matar qualquer paladar 

Que me leve a provar um novo amor.

DRAMA

Fotografia fonte: http://www.1000imagens.com/index.asp

Deixe-me aqui com minhas angústias

Estou tentando interpretar meus inúmeros personagens

Porém o palco é obscuro

E nas coxias ouve-se o sussurro da platéia

Que antecipadamente já faz prejulgamentos

Mesmo assim eu sigo atuando

Retirando máscara por máscara

Sem saber ao certo se um desses rostos me representa

Apenas empresto meu corpo

Vendo minha alma

E reproduzo as falas de um texto mil vezes batido

Encenando um drama que já não faz mais qualquer sentido

Viver é o mais ingrato ofício...